quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008
Clarice Lispector
de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites,
todos vazios de tua presença.
Me dê a coragem de considerar esse vazio
como plenitude.
Faça com que eu seja a tua amante humilde,
entrelaçada a ti em êxtase.
Faça com que eu possa falar
com este vazio tremendo
e receber como resposta
o amor materno que nutre e embala.
Faça com que eu tenha a coragem de te amar,
sem odiar as tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo.
Faça com que a solidão não me destrua.
Faça com que minha solidão me sirva de companhia.
Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar.
Faça com que eu saiba ficar com o nada
e mesmo assim me sentir
como se estivesse plena de tudo.
Receba em teus braços
o meu pecado de pensar.
Martha Medeiros
Affonso Romano de Sant'Anna
FAZER 30 ANOS
QUATRO pessoas, num mesmo dia, me dizem que vão fazer 30 anos. E me anunciam isto com uma certa gravidade. Nenhuma está dizendo: vou tomar um sorvete na esquina, ou: vou ali comprar um jornal. Na verdade estão proclamando: vou fazer 30 anos e, por favor, prestem atenção, quero cumplicidade, porque estou no limiar de alguma coisa grave.
Na verdade, fazer 30 anos não é para qualquer um. Fazer 30 anos é, de repente, descobrir-se no tempo. Antes, vive-se no espaço. Viver no espaço é mais fácil e deslizante. É mais corporal e objetivo. Pode-se patinar e esquiar amplamente.
Mas fazer 30 anos é como sair do espaço e penetrar no tempo. E penetrar no tempo é mister de grande responsabilidade. É descobrir outra dimensão além dos dedos da mão. É como se algo mais denso se tivesse criado sob a couraça da casca. Algo, no entanto, mais tênue que uma membrana. Algo como um centro, às vezes móvel, é verdade, mas um centro de dor colorido. Algo mais que uma nebulosa, algo assim pulsante que se entreabrisse em sementes.
Aos 30 já se aprendeu os limites da ilha, já se sabe de onde sopram os tufões e, como o náufrago que se salva, é hora de se autocartografar. Já se sabe que um tempo em nós destila, que no tempo nos deslocamos, que no tempo a gente se dilui e se dilema. Fazer 30 anos é como uma pedra que já não precisa exibir preciosidade, porque já não cabe em preços. É como a ave que canta, não para se denunciar, senão para amanhecer.
Fazer 30 anos é passar da reta à curva. Fazer 30 anos é passar da quantidade à qualidade. Fazer 30 anos é passar do espaço ao tempo. É quando se operam maravilhas como a um cego em Jericó.
Voltei!
Depois de um longo e tenebroso inverno, voltei com força total! Mentira, só voltei mesmo.
Então, continuo a pessoa confusa e desajustada de sempre, mas com aquela responsabilidade característica de quem tem medo de ser presa. Enfim, trabalhando, pagando as contas e vivendo um dia de cada vez.
Como havia comentado antes, e o carnaval, hein? Fui no sambódromo! Menina, que coisa estúpida aquilo lá! Um corredor asfaltado (bem que dizem que a TV aumenta tudo... Trabalhando nisso há uns 15 anos eu já devia saber, né?), com gente vestida (?) de coisas-que-precisam-ser-explicadas, celebridades (e sub-celebridades) aos tapas pelos fotógrafos, gente rica pendurada pelos camarotes, pessoas brigando pelos brindes (havaianas custam menos de 15 reais aqui na esquina!), brigando pelos belisquetes, pelas bebidas... Vi um desfile (da Grande Rio) e tchau! Minha cota de sambódromo foi gasta já. Pro resto da vida.
Fui num bloco também. Não lembro o nome, mas não faz diferença pq é tudo-a-mesma-coisa. As pessoas se esbarrando, a galera suando, a cerveja esquentando... Nem a música (?) dava pra ouvir. Uma hora depois voltei pra casa.
Definitivamente, não sou do samba. Queria um programa comum, corriqueiro... Mas era carnaval, tudo temático! Não deu, gente... Tô velha demais pra isso.
Volto já!
Bjs